por Gabriel Tosi
A forma primordial de contrato administrativo pela qual o Estado brasileiro promove projetos de infraestrutura como obras e serviços de grande envergadura e impacto socioeconômico é a licitação, que, por representar basicamente um acordo entre a Administração Pública e empresa particular ou entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, está sujeito a prerrogativas excepcionais e, sobretudo, regulamentação própria por meio da nova Lei de Licitações n. 14.133/2021.
Ao substituir sua predecessora (Lei n. 8.666/1993), a nova Lei inaugurou verdadeiras transformações no regime jurídico das licitações e contratos administrativos, na medida em que modernizou o processo licitatório, buscando maior transparência, eficiência e segurança jurídica, além de adotar mecanismos mais rigorosos para prevenir fraudes, combater corrupção e outras práticas ilícitas nos processos de contratação pública.
Entre as principais modificações trazidas pela Lei n. 14.133/2021 está a utilização de modalidades mais flexíveis de licitação, com a adoção do chamado “pregão eletrônico” como regra.
No âmbito penal, por sua vez, foi implementada uma ampliação dos mecanismos de controle e responsabilização para abranger desde a fraude em documentos, passando pelo conluio entre empresas, até a corrupção, abarcando condutas como a contratação direta ilegal, frustração do caráter competitivo da licitação, patrocínio de contratação indevida, modificação ou pagamento irregular do contrato, perturbação de processo licitatório, violação do sigilo, afastamento de licitante, fraude, contratação inidônea, impedimento indevido, dentre outras.
A nova Lei trouxe modificações nos tipos penais em si aprimorando suas redações para serem mais objetivas e próximas ao padrão do Código Penal, mas também acrescentou uma nova conduta penalmente punível, qual seja, a omissão grave de dado ou de informação por projetista, que, apesar do nome, inclui também a possibilidade de o delito ser praticado por meio da ação do agente.
A despeito da nova tipificação, é verdade que os demais crimes licitatórios previstos na novel legislação estavam tipificados na lei anterior (Lei n. 8.666/93), que os apresentava em seção própria.
A novidade, porém, é que essa seção própria, dedicada à meteria penal, foi abolida, recrudescendo o caráter administrativo da Lei n. 14.133/2021.
Com efeito, o legislador adotou modo tecnicamente mais adequado e introduziu alteração no Código Penal, acrescentando ao Título XI da Parte Especial, que abarca os crimes contra a administração pública, o novo Capítulo II-B denominado ‘Dos crimes em licitações e contratos administrativos’, dedicado aos crimes em licitações e contratos administrativos.
Além disso, algumas penas previstas para quem comete as condutas ilícitas foram substancialmente majoradas, por exemplo, nos crimes de contratação direta ilegal (337-E) e frustração do caráter competitivo de licitação (art. 337-F). Também a pena de multa (art. 337-P) foi visceralmente alterada e passou a adotar a metodologia de cálculo prevista no Código Penal, o que trouxe grande incongruência para com a sistemática de cálculo em dias-multa (art. 49).
Por fim, merece ainda destaque o fato de os crimes licitatórios da nova legislação requererem para sua caracterização a presença do dolo como elemento subjetivo, isto é, vontade livre e consciente de praticar o fato típico. Não existindo previsão de modalidades culposas ou de mera tipicidade formal.
Em síntese, a Lei n. 14.133/2021 representa um avanço importante no regime de licitações no Brasil, não apenas por modernizar e trazer maior flexibilidade e transparência ao processo licitatório, mas também por criar um sistema mais robusto de controle e punição para as práticas ilícitas.
Com isso, as implicações penais que traz consigo têm um papel crucial na promoção de um ambiente de maior segurança e confiança no setor público, servindo de dissuasão contra fraudes e corrupção, elementos que historicamente minaram a eficiência das contratações públicas no Brasil. O rigor das sanções penais pode atuar como um fator de prevenção, estimulando tanto os agentes públicos quanto os privados a agirem dentro dos limites legais e éticos estabelecidos pela nova legislação.