Identificação e monitoramento de PEPs: O papel do compliance na prevenção à lavagem de dinheiro
por Isadora Corrêa e Natália Ariza A Lei n. 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro) dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, além de consolidar diretrizes para a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos em seu texto normativo. O marco legal inaugurou o compliance criminal na seara legislativa, exigindo que instituições financeiras adotem políticas, procedimentos e controles internos para identificar e reportar operações suspeitas ao órgão regulador ou fiscalizador competente. Dentre as medidas a serem adotadas pelo setor privado, a identificação e acompanhamento de PEPs (Pessoas Expostas Politicamente) é essencial para mitigação dos riscos de utilização das instituições reguladas para integração de ativos provenientes de atividades ilícitas no sistema financeiro nacional. A Resolução do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) n. 40/2021 consolida os cargos considerados PEPs. Em resumo, são agentes que desempenham ou tenham desempenhado, nos últimos cinco anos, funções públicas relevantes, como detentores de mandatos eletivos em entidades da administração pública. Ademais, a Resolução estende a definição de PEP para indivíduos que ocupem cargos semelhantes no exterior, como chefes de estado e dirigentes de partidos políticos, dentre outros. As instituições devem dedicar especial atenção às operações ou propostas envolvendo uma PEP, de forma a evitar eventual envolvimento em possíveis esquemas de corrupção ou lavagem de dinheiro. Para isso, a Resolução determina que as empresas devem adotar procedimentos de i) obtenção de autorização prévia do sócio administrador da empresa para o estabelecimento de relação de negócios ou prosseguimento de relação já existente; ii) adoção de diligências para verificar a origem dos recursos (due diligence) e iii) monitoramento reforçado e contínuo da relação de negócio. A implementação das diretrizes não deve ser restrita às negociações e operações realizadas com pessoas expostas politicamente, mas também aos seus familiares e colaboradores estreitos. Essa fiscalização é necessária diante da possibilidade de exploração desse tipo de relações pela pessoa exposta como estratégia para ocultação de patrimônio ou cometimento de outros crimes. Portanto, a implementação de políticas de compliance para a efetiva identificação e monitoramento de PEPs é fundamental para prevenção à lavagem de dinheiro. Isso, pois o não cumprimento das exigências previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro pode ocasionar não só a aplicação de penalidades, como multas ou suspensão do exercício de atividade, como também riscos reputacionais que podem afetar a credibilidade da empresa no mercado, ocasionando a perda de clientes, investidores, e relações comerciais.
Financiamento de Projetos e Infraestrutura: Implicações penais no processo licitatório brasileiro à luz da Lei n.º 14.133/2021
por Gabriel Tosi A forma primordial de contrato administrativo pela qual o Estado brasileiro promove projetos de infraestrutura como obras e serviços de grande envergadura e impacto socioeconômico é a licitação, que, por representar basicamente um acordo entre a Administração Pública e empresa particular ou entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, está sujeito a prerrogativas excepcionais e, sobretudo, regulamentação própria por meio da nova Lei de Licitações n. 14.133/2021. Ao substituir sua predecessora (Lei n. 8.666/1993), a nova Lei inaugurou verdadeiras transformações no regime jurídico das licitações e contratos administrativos, na medida em que modernizou o processo licitatório, buscando maior transparência, eficiência e segurança jurídica, além de adotar mecanismos mais rigorosos para prevenir fraudes, combater corrupção e outras práticas ilícitas nos processos de contratação pública. Entre as principais modificações trazidas pela Lei n. 14.133/2021 está a utilização de modalidades mais flexíveis de licitação, com a adoção do chamado “pregão eletrônico” como regra. No âmbito penal, por sua vez, foi implementada uma ampliação dos mecanismos de controle e responsabilização para abranger desde a fraude em documentos, passando pelo conluio entre empresas, até a corrupção, abarcando condutas como a contratação direta ilegal, frustração do caráter competitivo da licitação, patrocínio de contratação indevida, modificação ou pagamento irregular do contrato, perturbação de processo licitatório, violação do sigilo, afastamento de licitante, fraude, contratação inidônea, impedimento indevido, dentre outras. A nova Lei trouxe modificações nos tipos penais em si aprimorando suas redações para serem mais objetivas e próximas ao padrão do Código Penal, mas também acrescentou uma nova conduta penalmente punível, qual seja, a omissão grave de dado ou de informação por projetista, que, apesar do nome, inclui também a possibilidade de o delito ser praticado por meio da ação do agente. A despeito da nova tipificação, é verdade que os demais crimes licitatórios previstos na novel legislação estavam tipificados na lei anterior (Lei n. 8.666/93), que os apresentava em seção própria. A novidade, porém, é que essa seção própria, dedicada à meteria penal, foi abolida, recrudescendo o caráter administrativo da Lei n. 14.133/2021. Com efeito, o legislador adotou modo tecnicamente mais adequado e introduziu alteração no Código Penal, acrescentando ao Título XI da Parte Especial, que abarca os crimes contra a administração pública, o novo Capítulo II-B denominado ‘Dos crimes em licitações e contratos administrativos’, dedicado aos crimes em licitações e contratos administrativos. Além disso, algumas penas previstas para quem comete as condutas ilícitas foram substancialmente majoradas, por exemplo, nos crimes de contratação direta ilegal (337-E) e frustração do caráter competitivo de licitação (art. 337-F). Também a pena de multa (art. 337-P) foi visceralmente alterada e passou a adotar a metodologia de cálculo prevista no Código Penal, o que trouxe grande incongruência para com a sistemática de cálculo em dias-multa (art. 49). Por fim, merece ainda destaque o fato de os crimes licitatórios da nova legislação requererem para sua caracterização a presença do dolo como elemento subjetivo, isto é, vontade livre e consciente de praticar o fato típico. Não existindo previsão de modalidades culposas ou de mera tipicidade formal. Em síntese, a Lei n. 14.133/2021 representa um avanço importante no regime de licitações no Brasil, não apenas por modernizar e trazer maior flexibilidade e transparência ao processo licitatório, mas também por criar um sistema mais robusto de controle e punição para as práticas ilícitas. Com isso, as implicações penais que traz consigo têm um papel crucial na promoção de um ambiente de maior segurança e confiança no setor público, servindo de dissuasão contra fraudes e corrupção, elementos que historicamente minaram a eficiência das contratações públicas no Brasil. O rigor das sanções penais pode atuar como um fator de prevenção, estimulando tanto os agentes públicos quanto os privados a agirem dentro dos limites legais e éticos estabelecidos pela nova legislação.
A particular sistemática prescricional dos crimes falimentares
por Felipe Colloca e Caio Giuranno De acordo com o Indicador de Falências e Recuperações Judiciais da Serasa Experian, em outubro de 2024, o Brasil registrou 223 novos requerimentos de Recuperação Judicial, um aumento de aproximadamente 37% quando em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Já os pedidos de falência alcançaram um aumento de 50% na comparação do mesmo período. Esse cenário demanda uma maior atenção aos delitos dispostos na Lei n. 11.101/05, popularmente conhecidos como “crime falimentares” (ainda que eles também se apliquem a hipóteses de recuperação judicial ou extrajudicial). E um detalhe que muitas vezes passa despercebido ao analisar esses delitos é a particular sistemática prescricional, herdada do Decreto-Lei n. 7.661/45, que regeu a matéria até a entrada em vigor da Lei n. 11.101/05. Diferentemente do Código Penal, o Decreto-Lei n. 7.661/45 previa que a prescrição dos crimes falimentares operava em dois anos (art. 199), não importando qual era a pena abstrata ou concreta. Quanto ao termo inicial do prazo prescricional, este era o trânsito em julgado da sentença que encerrou a falência ou que julgou cumprida a concordata (art. 199, parágrafo único), matéria inclusive sumulada pelo STF (Súmula 147). Não se aplicava, portanto, a data da consumação do fato. Por se tratar de norma material, a sua aplicação ainda subsiste atualmente quando beneficiar acusado que tenha cometido fatos anteriores a 9 de junho de 2005, início da vigência da Lei n. 11.101/05. Referida lei reformou os procedimentos de falência e recuperação e mudou a sistemática prescricional. Dispôs expressamente que a prescrição se rege pelo Código Penal, porém ressalvou que o termo inicial é a “decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial” (art. 182). Em outras palavras, o termo inicial que antes era o fim do procedimento, agora foi antecipado. Importante dizer que uma breve leitura dos crimes falimentares revela que eles podem ser cometidos antes ou depois da decretação da falência, concessão da recuperação judicial ou homologação do plano de recuperação extrajudicial. Tomemos como exemplo o delito de favorecimento de credores (art. 172): ele prevê no próprio tipo que sua consumação pode se dar antes ou depois dos eventos mencionados. O crime de desvio, ocultação ou apropriação de bens (art. 173) necessariamente acontecerá depois deles. Então, por que não estabelecer a regra geral do Código Penal para termo inicial da prescrição? A resposta está no artigo 180 da lei, que diz que a sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial ou extrajudicial é condição objetiva de punibilidade para os crimes falimentares. Assim, tendo em vista não ser possível iniciar ação penal antes desses eventos, o legislador julgou adequado estabelecer que a prescrição somente passaria a correr após algum desses atos. Essa escolha legislativa acarreta alguns desafios que devem ser solucionados pela jurisprudência e doutrina. A começar pela (im)possibilidade de inquérito policial antes da sentença no processo de recuperação ou falência. Isso, porque falta uma condição objetiva de punibilidade que pode não vir a se realizar. Por um lado, pode haver elementos probatórios que justificam investigações preliminares; por outro, a incerteza sobre a consumação da condição pode gerar investigações infrutíferas ou prematuras. Outra questão diz respeito aos delitos cometidos após a sentença. O artigo 182 da Lei n. 11.101/2005, quando aplicado literalmente, pode entrar em conflito com os princípios de razoabilidade, proporcionalidade e a lógica da prescrição no direito penal. Esses conflitos evidenciam a necessidade de uma interpretação que concilie a norma especial com os fundamentos do sistema penal brasileiro. Explica-se. Se um crime é praticado mais de dois anos após a sentença, pela literalidade do artigo 182, ele já estaria, em tese, prescrito antes de sua própria existência. Essa dinâmica evidentemente viola a lógica do sistema penal, que presume o transcurso de um período, ainda que mínimo, para que a prescrição se opere. Não obstante, é sabido que a prescrição tem como um de seus objetivos assegurar que o Estado exerça seu poder de punir em um prazo razoável, respeitando o devido processo legal. A contagem a partir de um momento arbitrário, como a decretação da falência, compromete essa finalidade, pois ignora o tempo transcorrido entre a prática do crime e o início de uma possível investigação. Dada a incompatibilidade descrita, interpretações ou ajustes legislativos poderiam alinhar a aplicação do artigo 182 com os princípios do Código Penal. Vejamos algumas alternativas: Portanto, diante das inconsistências e desafios interpretativos relacionados à prescrição dos crimes falimentares no sistema penal brasileiro, especialmente nos casos praticados após a decretação da falência ou concessão da recuperação, mostra-se necessário que se busquem alternativas que promovam maior coerência e segurança jurídica. Muito embora seja bem-vindo um ajuste legislativo, são possíveis soluções por meio de interpretações jurisprudenciais, sendo fundamental, em ambos os casos, que se lide com a lacuna de maneira consistente, fortalecendo a eficácia da justiça penal e a confiança no ordenamento jurídico.
Davi Tangerino questiona a posição da direita brasileira em artigo publicado na Folha de S. Paulo

A Folha de S. Paulo publicou artigo do nosso sócio Davi Tangerino em que ele questiona a posição da direita brasileira diante dos fatos revelados recentemente pela Polícia Federal em relação ao episódio de 8 de janeiro. Ele destaca que o foco não deve ser apenas no papel de Jair Bolsonaro nesse caso, mas na construção de um futuro democrático sólido, guiado pela Constituição, em que a articulação de golpes de Estado seja completamente inadmissível. Leia o artigo: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/12/criticar-bolsonaro-nao-deveria-ser-tao-dificil-para-a-direita.shtml
Mercado de Capitais e as esferas de responsabilização no Direito brasileiro
por Shaiane Tassi O mercado de capitais desempenha um papel fundamental na economia, viabilizando o financiamento das atividades governamentais e empresariais, fomentando a expansão produtiva e contribuindo diretamente para o fortalecimento do desenvolvimento econômico. Dados recentes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) indicam que, entre janeiro e outubro de 2024, empresas captaram R$ 633,6 bilhões no mercado de capitais, o maior volume já registrado para o período na série histórica iniciada em 2012. Entre os principais instrumentos financeiros responsáveis por esse resultado destacam-se as ações, negociadas na bolsa de valores (B3), e os títulos de dívida, como debêntures, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), além de fundos de investimento. Por se tratar de um ambiente de alta complexidade, a integridade e eficiência do mercado de capitais passa pela adoção de práticas éticas por parte de todos os participantes, incluindo investidores, tomadores de recursos, instituições financeiras e empresas de auditoria, por uma regulamentação assertiva voltada à coibição de abusos e pela atuação efetiva dos órgãos de fiscalização. A legislação brasileira aplicável ao mercado de capitais é robusta e voltada à promoção da confiabilidade, segurança e transparência das operações. O principal órgão regulador no País é a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, que tem como função fiscalizar, normatizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários. Sua atuação é complementada por entidades como o Banco Central, que supervisiona mercados de câmbio e crédito, garantindo a segurança e a transparência nas operações. Práticas irregulares como manipulação de mercado, insider trading e emissões fraudulentas podem acarretar responsabilizações independentes nas esferas administrativa, civil e criminal, sendo cada uma regida por normas próprias e aplicadas de forma autônoma pelos órgãos e instituições competentes. Na esfera administrativa, conforme disposições da Lei n. 6.385/1976, a CVM pode aplicar multas, suspensões e até proibir a atuação de agentes no mercado. No âmbito civil, os envolvidos podem ser obrigados a reparar danos causados a investidores ou terceiros prejudicados, na forma da Lei n. 7.913/1989. Na esfera criminal, as Leis n. 6.385/1976 e n. 7.492/1986 estabelecem penas de reclusão e multas para condutas ilegais. Um exemplo emblemático da atuação dos órgãos fiscalizadores foi o caso da Mundial S/A, conhecido como “Bolha do Alicate”. Entre 2010 e 2011, a empresa teria manipulado o preço de suas ações com negociações artificiais, como o uso de robôs para transações mínimas e divulgação de informações inconsistentes com sua situação financeira real. A CVM identificou essas operações suspeitas, iniciando uma investigação que culminou, em 2016, na primeira condenação criminal por manipulação de mercado no Brasil. O caso resultou também em condenação no âmbito da própria autarquia. As decisões do caso foram vistas como um marco na aplicação da legislação destinada a proteger a integridade do mercado de capitais. Tem-se observado, no Brasil, um crescente e continuo aprimoramento dos mecanismos de controle e fiscalização do setor e a ampliação da cooperação entre órgãos reguladores e de investigação, ações essenciais para proteger o mercado de capitais e promover um ambiente de negócios ético e seguro no País. Para além das ações dos órgãos reguladores, a construção de um mercado de capitais sólido e confiável exige o fortalecimento de práticas de compliance corporativo, com políticas internas eficazes de prevenção a condutas ilícitas, mitigação de riscos e promoção da transparência. Esses esforços conjuntos entre reguladores e participantes do mercado são essenciais para garantir um ambiente de negócios ético e seguro, capaz de atrair investimentos e impulsionar o crescimento econômico.
A Dupla Estratégia Contra Fraudes para Fintechs: Tecnologia e Gerenciamento de crises
por Isadora Corrêa, Vinícius Novo e Gabriel Brezinski O termo Fintech, derivado de “financial technology”, refere-se a empresas que introduzem inovações tecnológicas no mercado financeiro, oferecendo produtos e serviços via aplicativos e plataformas online. Essas soluções estimulam a competitividade e desenvolvimento do setor. No Brasil, há Fintechs de pagamento, crédito, investimentos e gestão financeira, como Agibank, Nubank, C6 Bank e PicPay. Nos últimos anos, as Fintechs têm crescido exponencialmente. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Brasil concentra 24% das Fintechs na América Latina, liderando a região. Entre 2017 e 2023, o número de empreendimentos do tipo cresceu 340%. Apesar desse crescimento, o avanço das Fintechs também eleva o risco de crimes financeiros e bancários. Em 2023, o Mapa da Fraude da ClearSale registrou quase 4 milhões de tentativas de golpe envolvendo cartões de crédito. Já a Serasa Experian revelou que, em 2024, 42% dos brasileiros foram vítimas de fraudes financeiras. Na América Latina, 1 a cada 5 transações de comércio online foi considerada fraudulenta e a cada segundo ocorrem aproximadamente 1600 ataques cibernéticos contra empresas. Ainda que algumas Fintechs estejam investindo em estratégias de cibersegurança, as tecnologias de prevenção, embora essenciais, não são suficientes diante de crimes cada vez mais sofisticados e complexos. É preciso investir na contratação de especialistas capazes de elaborar planos não apenas de prevenção, mas de reação e contingenciamento. Afinal, depois de constatada uma fraude, o que fazer? A resposta está em uma abordagem multidisciplinar, essencial para consolidar a confiança do mercado e do público consumidor na empresa. Uma estratégia eficaz de gestão de crises deve começar pela detecção da fraude, incluir mecanismos técnicos de prevenção, aprofundar investigações internas e apresentar os resultados às autoridades competentes. Essa abordagem não apenas pode ajudar a identificar os responsáveis pelos prejuízos financeiros, mas também mitigar o risco de consequências jurídicas severas, como a responsabilização criminal de sócios e funcionários, e reputacionais.Por isso, é essencial contar com especialistas para criar canais de diálogo entre Fintechs e autoridades, tornando o ambiente mais seguro, fortalecendo a confiança no setor e atraindo novos clientes.
Investimento Estrangeiro e Arbitragem Internacional: A Intersecção entre o Direito Econômico e o Direito Penal
por Bruna Castro O investimento estrangeiro e a arbitragem internacional são fundamentais no direito internacional econômico, mas podem cruzar com o direito penal em diferentes vertentes. Quando os processos de arbitragem envolvem comportamentos criminosos, esses podem ser objeto de investigação e de ações penais em várias jurisdições. Nesse cenário, é necessária uma análise detalhada para garantir que os direitos dos investidores sejam protegidos. Essa integração entre direito internacional, econômico e penal demanda uma abordagem interdisciplinar, onde a arbitragem pode ser utilizada como ferramenta para resolver disputas, mas sem ignorar a possível ocorrência de crimes. É importante ressaltar que os investimentos estrangeiros são protegidos por Acordos Bilaterais de Investimento (ABIs), que oferecem garantias, como proteção contra expropriações arbitrárias e discriminação. Mecanismos como os previstos pela Convenção de Washington (ICSID) garantem a resolução de disputas em um fórum neutro, a arbitragem internacional. E esses instrumentos visam oferecer segurança jurídica para atrair investimentos. O direito penal entra em cena em situações onde há irregularidades ou práticas ilícitas que envolvem investimentos ou arbitragem, como corrupção, lavagem de dinheiro e falsificação. Na corrupção, autoridades estatais podem recorrer a práticas ilícitas para atrair ou proteger investimentos, bem como para influenciar resultados em arbitragens internacionais. Empresas podem oferecer subornos para assegurar contratos vantajosos ou evitar penalidades, violando leis como a Lei n. 12.846/13, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) dos EUA e a Convenção Anticorrupção da OCDE Já na lavagem de dinheiro, investimentos estrangeiros podem ser usados como fachada para limpar recursos ilícitos, ocultando sua origem por complexas redes de transações transnacionais. Na falsificação, empresas falsificam documentos para justificar investimentos ou iniciar a arbitragem internacional. Isso pode resultar em disputas baseadas em transações fraudulentas, afetando investidores e Estados. Quando falamos de violação de sanções econômicas, podemos dizer que investidores podem buscar mercados ou setores sujeitos a sanções, mesmo sabendo das restrições legais. Isso configura uma violação de tratados internacionais, sujeitando os responsáveis a penalidades criminais e econômicas. Assim, alguns desafios podem ser apontados, como garantir a neutralidade e transparência das arbitragens e conciliar as decisões de tribunais penais e arbitrais, ao mesmo tempo em que se fortalece a regulamentação de investimentos para prevenir abusos. Já para proteger os direitos dos investidores e combater práticas ilícitas, alguns nortes devem ser delineados, como o fortalecimento da cooperação internacional, desenvolvimento de políticas de compliance robustas e corretas interpretações e aplicações das normas penais.
Davi Tangerino fala sobre as implicações legais e sociais da criptografia segura em sua coluna no JOTA

Em sua coluna no JOTA, nosso sócio Davi Tangerino fala sobre as implicações legais e sociais da criptografia segura no artigo “Alternativas à criptografia segura”. Davi ressalta como essa técnica é essencial para proteger garantias constitucionais como privacidade, segurança nacional e defesa de dados. Também aborda os desafios de possíveis proibições, que poderiam fragilizar as comunicações no Brasil ou empurrar atividades criminosas para plataformas completamente fora do alcance das autoridades. O artigo ainda analisa o papel do WhatsApp como exemplo de colaboração com a justiça, oferecendo metadados valiosos que ajudam em investigações criminais. Leia a coluna: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-davi-tangerino/alternativas-a-criptografia-segura
A política de reporte de operações suspeitas em instituições financeiras: abordagem baseada em risco e “supernotificação”
O COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) foi criado com a promulgação da Lei n. 9.613/98 como uma Unidade de Inteligência Financeira (“UIF”) dotada de certo grau de independência com relação às instâncias investigativas e judiciais, com a finalidade de regulamentar, investigar e sancionar condutas que indicassem a prática de lavagem de ativos. Hoje, o COAF permanece como uma entidade autônoma, porém vinculada ao Banco Centro do Brasil, desde janeiro de 2020. Tal aproximação institucional permitiu que se concretizasse a revisão da política de comunicação de operações ao órgão de inteligência no setor financeiro no âmbito de prevenção à lavagem de ativos, por meio da Circular n. 3.978 DC/BACEN, de 23/01/2020. A mudança de paradigma regulatório operada atualiza o então vigente modelo de prevenção prescritivo (“rule-based”) para um modelo baseado na análise de risco (“risk-based”), isto é, erigindo um sistema de identificação e comunicação de operações suspeitas ao COAF orientado pelo risco das operações e os perfis de clientes e terceiros com quem a instituição financeira contrata, em detrimento da sistemática anterior que impunha o dever de comunicação especialmente em função do valor movimentado. Em outras palavras, competirá às próprias instituições reguladas identificarem e analisarem, dentro de uma margem de discricionariedade, situações suspeitas ora definidas como “qualquer operação ou situação que apresente indícios de utilização da instituição para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo” (art. 38, §1º), para posterior comunicação do COAF. Falamos em margem de discricionaridade, porque ao mesmo tempo em que a Circular se baseia na ideia de autorregulação, devendo as instituições orientarem suas atividades a partir de diretrizes internas, ela também impõe obrigações de colheita de informações essenciais do cliente e da operação. Os impactos da adoção de políticas para prevenção à lavagem de dinheiro a partir de uma abordagem baseada em risco já vem sendo discutidos em âmbito internacional, notadamente após a edição da 4ª Diretiva da UE de Prevenção à Lavagem – Diretiva [UE] 2015/849, cuja transposição integral ao direito nacional dos Estados-Membros se tornou obrigatória desde janeiro de 2020. Essa experiência revela que, se de um lado esta mudança de paradigma exige das instituições reguladas a readequação de suas estruturas institucionais, aprimoramentos em TI, treinamento de pessoal e reforço dos times de compliance, de outro, ela também exigirá uma postura transigente por parte do próprio COAF na aplicação de sanções futuras. Isso, porque a imposição de sanções decorrentes de eventuais descumprimentos dos deveres de prevenção baseados em risco, alicerçando-se nessa maior discricionariedade conferida ao setor privado, gerará um fenômeno de “supernotificação” por partes das instituições reguladas. Isto é, sob receio de responsabilização, diminuirão seus standards internos de suspeita e aumentarão o volume de comunicações realizadas ao COAF. O Relatório Integrado de Gestão do COAF de 2023 revelou que o órgão acumula mais de 50 milhões de comunicações de operações suspeitas provenientes dos setores obrigados. Dentre estas, 7,6 milhões, foram recebidas só no último ano. A autonomia do setor privado, atrelada ao receio de aplicações de sanções pela não notificação de eventual conduta suspeita, contribui para o elevado número de notificações sem, necessariamente, a segurança da garantia da qualidade das informações enviadas. Esse cenário dificulta que o órgão conclua pela existência de fundados indícios do cometimento de ilícito e elabore o Relatório de Inteligência Financeira para envio às autoridades, comprometendo a eficácia do sistema. Na Europa, esse fenômeno de “supernotificação”, além de uma elevação dos custos de operação do setor bancário e da Administração Pública, já é associado a uma redução do nível de atenção dispensado pelas agências, usualmente explicado com recurso à fábula do “menino e o lobo”, em que, analogamente, o aumento do volume de comunicações levará a um natural descrédito do material recebido pela unidade de inteligência financeira. Portanto, a alteração normativa para um sistema de prevenção baseado na análise de risco exige adaptações significativas tanto das instituições reguladas quanto do COAF. O desafio reside em encontrar um equilíbrio para colaboração do setor privado com o envio de informações efetivamente pertinentes, garantindo que o COAF concentre seus esforços na identificação de atividades verdadeiramente suspeitas e na proteção do sistema financeiro.
A importância da cooperação internacional no mundo globalizado

Os recentes casos de jogadores brasileiros condenados em diferentes países parecem ter reacendido o interesse do público e das autoridades no Brasil sobre as fronteiras da justiça. Em um mundo cada vez mais globalizado, a proximidade entre pessoas e Estados é muito mais intensa atualmente do que em décadas ou séculos passados, e a importância dos mecanismos de cooperação internacional cresce exponencialmente. Contudo, essa conexão também traz sérias questões de relevância internacional, como crimes transnacionais e os problemas ambientais, cujos efeitos ultrapassam fronteiras e demandam respostas conjuntas dos Estados. Nesse cenário, deve-se trabalhar para a criação e fortalecimento de mecanismos de cooperação que possibilitem, de fato, o enfrentamento dessas dificuldades. Nesse tocante, as cortes internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional, exemplificam essas tentativas de diálogo e coordenação entre Estados. Além das cortes, os tratados de cooperação reforçam o compromisso entre países na busca pela justiça. A Convenção de Budapeste, promulgada pelo Brasil e focada no combate aos crimes cibernéticos, volta-se para a colaboração em investigações que envolvem a internet e outras tecnologias digitais. Outro importante instrumento é o Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal (MLAT, na sigla em inglês), que simplifica o compartilhamento de provas e a execução de ordens judiciais entre Estados, agilizando e tornando mais eficazes os processos e investigações criminais. Para além de instrumentos de atuação conjunta, outras medidas podem facilitar a concretização da justiça para os indivíduos. No Brasil, grande exemplo disso é o procedimento de Homologação de Decisões Estrangeiras, por meio do qual, após uma análise pelo Superior Tribunal de Justiça, decisões de outros países terão validade no ordenamento jurídico brasileiro. Com isso, os litígios podem ser solucionados de maneira mais prática e eficiente, sem necessidade de novas ações judiciais para rediscutir o assunto. A cooperação internacional, seja por meio de cortes supranacionais, tratados de assistência ou procedimentos nacionais específicos, é essencial para a promoção de uma justiça mais ágil e efetiva no mundo globalizado. Por isso, é imprescindível que os operadores do direito estejam prontos para trabalhar com essas questões, e nosso escritório conta com uma equipe altamente preparada para lidar com demandas dessa natureza, apta a oferecer o suporte jurídico a indivíduos e empresas em casos com elementos estrangeiros, garantindo uma resposta ágil e qualificada para as complexidades da justiça global. Sobre o tema, nosso sócio Davi Tangerino recentemente concedeu entrevista ao Fantástico em matéria que abordou os desdobramentos do caso Robinho e um documentário sobre o assunto. Assista à reportagem: https://lnkd.in/dtR_am6X